Terra, casa, trabalho:
esses foram os três pontos fundamentais em torno dos quais desenvolveu-se o
longo e articulado discurso do Papa Francisco aos participantes do
Encontro Mundial dos Movimentos Populares, recebidos esta terça-feira, dia
28 de Outubro, na Sala Antiga do Sínodo, no Vaticano. O Pontífice ressaltou que
é preciso revitalizar as democracias, erradicar a fome e a guerra, assegurar a
dignidade a todos, sobretudo aos mais pobres e marginalizados.
Tratou-se de um veemente
pronunciamento, ao mesmo tempo, de esperança e de denúncia. Um discurso que,
por amplidão e profundidade, tem o valor de uma pequena encíclica de Doutrina
Social. Ademais, era natural que os Movimentos Populares solicitassem este
encontro com o Papa Francisco.
Efetivamente, na
Argentina, como bispo e depois como cardeal, Bergoglio sempre se fez próximo
das comunidades populares como as de "catadores de papel" e
"camponeses". No fundo, nesta audiência retomou o fio de um
compromisso jamais interrompido.
O Santo Padre evidenciou
já de início, no discurso, que a solidariedade – encarnada pelos Movimentos
Populares – encontra-se "enfrentando os efeitos deletérios do império do
dinheiro".
O Papa observou que não
se vence "o escândalo da pobreza promovendo estratégias de contenção que
servem unicamente para transformar os pobres em seres domésticos e
inofensivos". Quem reduz os pobres à "passividade", disse, Jesus
"os chamaria de hipócritas". Em seguida, deteve-se sobre três pontos chave:"Terra,
teto, trabalho. É estranho – disse –, mas quando falo sobre estas coisas, para
alguns parece que o Papa é comunista. Não se entende que o amor pelos pobres
está no centro do Evangelho." Portanto, acrescentou, terra, casa e
trabalho são "direitos sagrados", "é a Doutrina social da
Igreja".
Dirigindo-se aos
"camponeses", Francisco disse que a saída deles do campo por causa
"de guerras e desastres naturais" o preocupa. E acrescentou que é um
crime que milhões de pessoas padeçam a fome, enquanto a "especulação
financeira condiciona o preço dos alimentos, tratando esses alimentos como
qualquer outra mercadoria". Daí, a exortação do Papa Francisco a continuar
"a luta em prol da dignidade da família rural".
Em seguida, o Santo
Padre dirigiu seu pensamento aos que são obrigados a viver sem uma casa, como
experimentara também Jesus, obrigado a fugir com sua família para o Egito.
Hoje, observou, vivemos em "cidades imensas que se mostram modernas,
orgulhosas e vaidosas". Cidades que oferecem "numerosos lugares"
para uma minoria feliz e, porém, "negam a casa a milhares de nossos
vizinhos, incluindo as crianças".
Com pesar, Francisco
ressaltou que "no mundo globalizado das injustiças proliferam-se os
eufemismos para os quais uma pessoa que sofre a miséria se define simplesmente
'sem morada fixa'".
O Papa denunciou que
muitas vezes "por trás de um eufemismo há um delito". Vivemos em
cidades que constroem centros comerciais e abandonam "uma parte de si às
margens, nas periferias".
Por outro lado, elogiou
aquelas cidades onde se "segue uma linha de integração urbana", onde
"se favorece o reconhecimento do outro". Em seguida, foi a vez de
tratar da questão do trabalho:"Não existe – ressaltou – uma pobreza
material pior do que a que não permite ganhar o pão e priva da dignidade do
trabalho." Em particular, Francisco citou o caso dos jovens desempregados
e ressaltou que tal situação não é inevitável, mas é o resultado "de uma
opção social, de um sistema econômico que coloca os benefícios antes do
homem", de uma cultura que descarta o ser humano como "um bem de
consumo".
Falando espontaneamente,
ou seja, fora do texto, o Pontífice retomou a Exortação apostólica
"Evangelii Gaudium" para denunciar mais uma vez que as crianças e os
anciãos são descartados. E agora se descartam os jovens, com milhões de
desempregados, disse ainda. Trata-se de um desemprego juvenil que em alguns
países supera 50%, constatou. Todos, reiterou, têm direito a "uma digna
remuneração e à segurança social".
Aqui, disse o Pontífice,
encontram-se "catadores de papel", vendedores ambulantes, mineiros,
"camponeses" aos quais são negados os direitos do trabalho, "aos
quais se nega a possibilidade de sindicalizar-se". Hoje, afirmou,
"desejo unir a minha voz à de vocês e acompanhá-los em sua luta".Em seguida,
Francisco ofereceu sua reflexão sobre o binômio ecologia-paz, afirmando que são
questões que devem concernir a todos, "não podem ser deixadas somente nas
mãos dos políticos". O Santo Padre afirmou mais uma vez que estamos
vivendo a "III Guerra Mundial", em pedaços, denunciando que
"existem sistemas econômicos que têm que fazer a guerra para
sobreviver": "Quanto sofrimento, quanta destruição _ disse o Papa –,
quanta dor! Hoje, o grito da paz se eleva de todas as partes da terra, em todos
os povos, em todo coração e nos movimentos populares: Nunca mais a
guerra!"Um sistema econômico centralizado no dinheiro – acrescentou –
explora a natureza "para alimentar o ritmo frenético de consumo" e
daí derivam feitos destrutivos como a mudança climática e o desmatamento.
O Papa recordou que está
preparando uma Encíclica sobre a ecologia assegurando que as preocupações dos
Movimentos Populares estarão presentes nela. O Pontífice perguntou-se por qual
motivo assistimos a todas essas situações:"Porque – respondeu – neste sistema
o homem foi expulso do centro e foi substituído por outra coisa. Porque se
presta um culto idolátrico ao dinheiro, globalizou-se a indiferença."
Porque, disse ainda, "o mundo esqueceu-se de Deus que é Pai e tornou-se
órfão porque colocou Deus de lado".
Em seguida, o Papa
exortou os Movimentos Populares a mudarem este sistema, a "construírem
estruturas sociais alternativas". Francisco advertiu que é preciso fazê-lo
com coragem, mas também com inteligência. Com tenacidade, porém, sem fanatismo.
Com paixão, mas sem violência". Nós cristãos, disse, temos um bonito
programa: as Bem-aventuranças e o Cap. 25 do Evangelho segundo Mateus.
Francisco reiterou a importância da cultura do encontro para derrotar toda
discriminação e disse que é preciso uma maior coordenação dos movimentos, sem,
porém, criar "estruturas rígidas":"Os Movimentos Populares –
afirmou – expressam a necessidade urgente de revitalizar nossas democracias,
muitas vezes sequestradas por inúmeros fatores." É "impossível",
frisou, "imaginar um futuro para uma sociedade sem a participação
protagonista da grande maioria" das pessoas.É preciso superar "o
assistencialismo paternalista" para ter paz e justiça, prosseguiu, criando
"novas formas de participação que incluam os movimentos populares" e
"sua torrente de energia moral".
O Pontífice concluiu seu
discurso com um premente apelo:"Nenhuma família sem casa. Nenhum camponês
sem terra! Nenhum trabalhador sem direitos! Nenhuma pessoa sem a dignidade que
o trabalho dá" – disse.Entre os participantes, no Vaticano, do encontro
dos Movimentos Populares figura também o presidente da Bolívia, Evo Morales.
O diretor da Sala de
Imprensa da Santa Sé, Pe. Federico Lombardi, explicou que, nesta ocasião, a
visita do chefe de Estado boliviano não foi "organizada mediante os
habituais canais diplomáticos" e que o encontro "privado e
informal" no final da tarde desta terça-feira entre o Papa Francisco e o
presidente deve ser considerado "uma expressão de afeto e proximidade ao
povo e à Igreja boliviana e um apoio à melhoria das relações entre as
Autoridades e a Igreja no país".